sexta-feira, 15 de julho de 2011

"Viva a Saúde no Brasil!", quando ela merecer um VIVA!

Boa noite, pessoas.

Estou ausente há algum tempo por conta da minha gravidez e o ritmo acelerado do semestre na graduação, mas hoje venho aqui por um motivo muito especial - e lamentável.

Hoje pela manhã, um amigo meu publicou através do Facebook um comentário a respeito da vinda de Hugo Chávez ao Brasil com a finalidade de tratar-se contra seu câncer no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, após convite "camarada" oferecido por nosso Governo, (notícia pode ser lida também aqui: http://www.jb.com.br/internacional/noticias/2011/07/14/chavez-vai-tratar-cancer-no-brasil/), gratuitamente.

Manifestei minha indignação com relação ao fato, obviamente não por desejar sofrimento ou morte de Chávez, mas por ter acompanhado toda a história da pequena "Ana Luiza", relatada por sua mãe no blog "VidAnormal" (http://vidanormal.blogspot.com/). Para quem não conhece a história, Ana Luiza era uma garotinha amazonense de 7 anos quando descobriu possuir um câncer raro e agressivo, vindo para São Paulo, realizar seu tratamento no Hospital AC Camargo, grande centro de referência no tratamento oncológico. A história de Ana foi dispersada não apenas pelo blog, mas também por uma campanha para doação de sangue à menina realizada via Twitter no carnaval, quando a hashtag #forçaAnaLuiza tornou-se um dos assuntos mais comentados do Brasil por dias. Infelizmente, a menina faleceu recentemente, após uma luta digna e corajosa contra a doença.

Tendo acompanhado a história da Ana e visto uma postagem num blog "conterrâneo" à família da menina (http://blogs.d24am.com/omalfazejo/2011/07/12/o-legado-de-ana-luiza/), que trouxe também uma discussão a respeito de diversas crianças manauenses que não tiveram a mesma possibilidade de tratamento que Ana Luiza teve, me perturbou essa cortesia diplomática oferecida ao Chávez, que não é o primeiro líder político que se beneficiará da nossa "atenção à saúde".

O que me enoja nisso tudo é ver que crianças brasileiras, de municípios que não possuem uma infra-estrutura de atendimento em saúde de alta complexidade, morrem aguardando um tratamento que pode nunca vir, ou aguardam tratamento que será realizado muito longe de suas casas, em municípios "vizinhos" portadores de instrumentos de alta complexidade (nível de atenção secundária e terciária), que dentro da lógica do SUS, recebem estes encaminhamentos. Mas sabemos, e como Ismael enfatiza em seu post "O Legado de Ana Luiza" no blog citado acima, que quando se trata de um tratamento oncológico, a demora no acesso aos serviços é determinante para o prognóstico da doença e para a qualidade de vida dos que aguardam o tratamento.

Expressei minha opinião através do Twitter e Facebook, solicitando um "parecer" ou opinião dos "sub-editores" do blog "Saúde com Dilma", através do twitter @saudecomdilma, o que foi "respondido" com o post entitulado "Viva a medicina brasileira! Que seja pra todos" (http://www.saudecomdilma.com.br/index.php/2011/07/15/viva-a-medicina-brasileira-que-seja-pra-todos/?utm_medium=twitter&utm_source=twitterfeed), comentado também por outras fontes (http://www.planetaosasco.com/oeste/index.php?/2011071516967/Nosso-pais/chavez-vem-se-tratar-no-brasil-cpmf-ii-ja.html).

Fiquei muito incomodada ao ver a abordagem dada pelo blog - o qual eu respeito pelo trabalho de problematização e discussões em saúde pública, extremamente necessário para a participação social no SUS e sua consolidação -, pois a notícia do tratamento de Hugo Chávez no Brasil foi comemorada como uma prova de excelência de nossa medicina. Ora!!! Eu preferia ter derrubado ácido sobre meus olhos do que ler o primeiro parágrafo do post em "Saúde com Dilma", pois penso que marketing de embelezamento do SUS e do Governo, a assessoria de imprensa de ambos se encarrega de fazer. O que é preciso é levantar os pontos a serem melhorados em nosso Sistema Único de Saúde, semeado com esforço popular na 8ª Conferência Nacional de Saúde, respaldado pela Consituição de 1988 e consolidado pela Lei Orgânica da Saúde, em 1990, através de seus princípios de "Universalidade de acesso, igualdade na assistência à saúde e integralidade na assistência". O SUS já é lindo em sua constituição, não precisa de marketing, ele precisa é de ações voltadas para que ele aconteça assim como está previsto, não apenas para ganhar pontos na América Latina, mas para não perder preciosas vidas em nosso país, que aparentemente devem ter menor valor por não serem ícones públicos.

A questão da CPMF, muito bem colocada pelo blog, se fosse um imposto com destinação correta - o que acho difícil acontecer em nosso País, ao menos até este momento histórico -, obviamente auxiliaria na ampliação dessas redes, não só no nível terciário de atenção, mas também no secundário e na atenção básica - outra vergonha, que afirmo não apenas como entusiasta do SUS, mas como usuária.

Incomoda a falta de foco dada ao fato de recebermos um chefe de Estado vizinho num hospital que não é público, que receberá um tratamento de alto custo e complexidade, enquanto crianças brasileiras - e jovens, e adultos, e idosos - morrem esperando um tratamento.

É esta falta de humanidade, falta de acesso e falta de possibilidades que faz nossa Medicina merecer um "Viva!"? Basta nosso consistente desenvolvimento de conhecimento científico e tecnologias em saúde para nos afirmar como um País que provê isto a todos os seus?

Eu lamento, mas não posso concordar que temos algo para comemorar. Temos sim muito para construir, para melhorar e expandir. Já que nosso país abriga uma trama de desigualdades sociais, que o esforço seja em busca da eqüidade, pois para atingirmos todos o mesmo patamar, uns precisarão de muito mais do que outros.

Que Hugo Chávez tenha um ótimo tratamento e um bom prognóstico para seu quadro clínico.

E que não estejamos parados assistindo à privatização do sistema público de saúde, às grandes filas, à falta de investimento, à dificuldade de acesso e às vidas de pessoas queridas se esgotando muito antes que sejam esgotadas as possibilidades terapêuticas, as quais elas não alcançam.

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